Conheço o mundo dos mortos. É frio, com terra
por cima, restos de tábuas, ossos desfeitos pelos invernos.
Os mortos vêem-nos: de onde estão, eles chamam pelos nomes
familiares, num murmúrio, e o vento dispersa-lhes os sopros
— música de ciprestes. Por isso, há quem ande entre as campas,
ao fim da tarde, com os ouvidos tapados; quem reze,
entre lábios, datas estéreis como as antigas pedras;
quem persiga a própria sombra, temendo que ela desapareça
sob a erva fresca. Memórias vagas e finais, atormentando-me
num secreto espelho - no canto de mim, absorto
e pálido, quem, me diz o nome, em silêncio, sem olhos,
sem lábios, sem os cabelos que outrora toquei?
Nuno Júdice (Mexilhoeira Grande, El algarve, Portugal, 1949). Doctor en Filología Romanica. Profesor de Literatura Comparada en la Universidade Nova de Lisboa. Consejero Cultural de la Embajada de Portugal y Director del Instituto Camões en París. Poeta, narrador, dramaturgo y ensayista. Entre sus numerosos premios, el Premio de Poesia Pablo Neruda (1975) y el Premio Reina Sofía (2013).