Não posso admitir que os sonhos
sejam um privilégio das criaturas humanas.
Os peixes também sonham.
No lago pantanaso, entre miasmas
que aspiram à espessa dignidade da vida,
eles sonham com os olhos sempre abertos.
Os peixes sonham imóveis, na bem-aventurança
da água fétida. Não são como os homens, que se agitam
em seus leitos desastrados. Na verdade,
os peixes diferem de nós, que ainda não aprendemos a sonhar
e nos debatemos, como afogados, na água turva
entre imagens hediondas e espinhas de peixes mortos.
Junto ao lago que eu mandei cavar,
tornando verdade um incômodo sonho de infância,
interrogo a água escura. As tilapias se escondem
de meu suspeitoso olhar de proprietário
e se recusam a ensinar-me como devo sonhar.
Lêdo Ivo (Maceió, Basil, 1924). Periodista, poeta, novelista, cuentista, cronista y ensayista. Premio Casa de las Américas 2009.