Todos os dias volto a Maceió.
Chego nos navios desaparecidos, nos trens sedentos,
nos aviões cegos que só aterrizam ao anoitecer.
Nos coretos das praças brancas passeiam caranguejos.
Entre as pedras das ruas escorrem rios de açúcar.
Fluindo docemente dos sacos armazenados
nos trapiches
e clareiam o sangue velho dos assassinados.
Assim que desembarco tomo o caminho do hospício.
Na cidade em que meus ancestrais repousam
em cemitérios marinhos.
só os loucos de minha infância continuam vivos e à minha espera.
Todos me reconhecem e me saúdam com grunhidos
e gestos obscenos ou espalhafatosos.
Perto, no quartel, a corneta que chia
Separa o pôr-do-sol da noite estrelada.
Os loucos langorosos dançam e cantam entre as grades.
Aleluia! Aleluia! Além da piedade.
a ordem do mundo fulge como uma espada.
E o vento do mar oceano enche os meus olhos de lágrimas
Lêdo Ivo (Maceió, Brasil, 1924). Periodista, novelista, autor de relatos, poeta y ensayista. Premio Casa de las Américas 2009.